Um grupo de jovens estudantes reúne-se nas escadarias, todas as noites, antes das aulas. Repartem seus sonhos, histórias, inseguranças e aventuras de adolescentes. Um grupo de jovens especiais, ligados por uma afinidade secreta, que desperta a curiosidade e alguma inveja dos outros adolescentes. Este grupo é diferente, rebelde, roupas exóticas, cabelos compridos e fala estranha. Comunicam-se com uma certa superioridade e desenvoltura, trocam experiências de um mundo misterioso e envolvente que atrai a curiosidade de todos.

Essa poderia facilmente ser parte da biografia inédita de uma banda desconhecida para uns e idolatrada por muitos. Trata-se, no entanto, de um trecho do romance “Canto dos Malditos” de Austregésilo Carrano Bueno, que inspirou o nome da banda Canto dos Malditos na Terra do Nunca (a segunda parte do nome da banda é uma clara referência à Terra do Nunca, onde vivia Peter Pan e os meninos perdidos – aqueles que se recusavam a crescer).

Cinco jovens baianos formam em 2003 a banda de trajetória tão rápida quanto intensa. A líder e vocalista Andrea Martins (raramente vista sem seus óculos escuros), acompanhada por Danilo Castor, Helinho Sampaio e David Castor fazem um rock de guitarras pesadas com distorções e letras que falam de amores, correspondidos ou não, cantadas pela famosa voz rouca de Andrea. Colecionaram fãs enlouquecidos pelo país, tiveram contrato com a major Warner Music, estiveram entre os hits da MTV, foram indicados ao prêmio de banda revelação do Video Music Brasil, abriram shows das bandas Placebo e Simple Plan, lançaram dois EPs e um disco, tudo isso em curtos quatro anos de carreira. Quando parecia que o céu era o limite para eles, a banda anuncia o seu fim para tristeza de milhares de fãs.

Foto promocional sobre a volta da banda Canto dos Malditos na Terra do Nunca.
Foto: Natália Arjones/Divulgação

Sequelas não acabam com o tempo. Amenizam. Quando passam em minha mente as horas de espera, sinceramente, tenho dó de mim. Nó na garganta, choro estagnado, revolta acompanhada de longo suspiro. Ainda hoje, anos depois, a espera é por demais agonizante. Horas, minutos, segundos são eternidades martirizantes. Não começam hoje, adormeceram, a muito custo… Comigo. Esta espera, oh Deus! É como nunca pagar o pecado original.

O já citado livro de Bueno parecia prever a agonia descrita por muitos fãs pelo fim da banda em suas redes sociais. Até que em 2012 eles anunciam um show em sua cidade natal com a formação original da banda. Aquele parece ter sido o gatilho que reacendeu, para banda e fãs, a fagulha do retorno definitivo da banda, o que só aconteceu de fato esse ano. Em setembro iniciaram uma contagem regressiva misteriosa no Facebook que deixou os fãs – sempre eles – em polvorosa, e, finalmente, anunciam no dia 25 daquele mês que a banda voltou e pra ficar.

Foto promocional da banda Canto dos Malditos na Terra do Nunca.
Foto: Natália Arjones/Divulgação

O recém-lançado single O Sol de Lá mostra que os meninos perdidos cresceram e estão prontos para encarar desafios de gente grande. Anunciaram turnê por São Paulo, Aracaju, Brasília, Rio de Janeiro, Natal, João Pessoa, Recife, Camaçari (BA) e Salvador. Pra completar o pacotão de novidades contam com a força de seus fãs (só no Facebook ultrapassam os 50 mil) lançando uma campanha de financiamento coletivo – o famoso crowdfunding – para gravação do segundo disco da banda pelo Kickante.

Para o novo disco prometem transformar em melodia as experiências e sonoridades adquiridas por cada um durante o tempo em que estiveram separados. Os malditos (como carinhosamente se intitulam os fãs) prometem continuar a segui-los e continuam a provar seu amor pela banda em mensagens e letras tatuadas no corpo. Fica difícil duvidar de que algo seja impossível para uma das bandas com trajetória mais peculiar do rock nacional nas últimas décadas. Resta-nos aguardar e desejar boa sorte e que a nova caminhada seja duradoura!

Referência: CARRANO, Austregésilo. Canto dos Malditos. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.