Quando se fala em cultura, logo vem à mente a intelectualidade, o conhecimento, a vastidão de ideias e as aptidões que cerceiam o “ser culto”. Mas a verdade é que a palavra cultura vai muito além de preceitos intelectivos de um indivíduo ou de uma determinada sociedade.
Cultura vem do latim “cultivar” comumente associada a um conceito de várias acepções, sendo, especialmente na antropologia, a definição genérica formulada por Edward B. Tylor segundo a qual cultura é “todo um complexo que inclui conhecimento, arte, crenças, leis, costumes, moral e outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma determinada sociedade”. Embora a definição de Tylor tenha sido problematizada e reformulada diversas vezes, tornando a palavra “cultura” um conceito vastamente complexo e impossível de ser fixado num único modo.
A problemática em torno da cultura acontece quando os indivíduos de determinada comunidade buscam preservar hábitos nocivos e arraigado em um povo que tradicionalmente repete tradições acerca de ritos que podem ser tanto bons quanto ruins. Muitos deles, chegando até mesmo a ferir, torturar, sangrar pessoas, animais e destruir o meio ambiente. Outros tantos, levando em consideração um único grupo de pessoas sem incluir o direito do indivíduo.
Por ter sido fortemente associada ao século XVII, muitos confundem a cultura à preservação da história da civilização, mas essa confusão nasceu sobretudo na França e na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, onde cultura se referia a um ideal imposta pela elite e religião sobre os mais fracos e marginalizados; o que possibilitou o surgimento da dicotomia e, doravante, a hierarquização, melhor representada nos textos de Matthew Arnold.
O entretenimento, o medo da escassez, o prazer alimentício e a devoção religiosa são alguns dos mais determinantes pontos de enlace para a construção de culturas nocivas e fundamentalistas. A verdade é que, logo que o homem dominou as primeiras ferramentas, passou a cercear, explorar e matar sob a justificativa de autopreservação e satisfação pessoal; o que, mesmo ultrapassando os direitos e a ética, foi aceito como normalidade – norma – dentro de pequenas e grandes comunidades.
As manifestações abusivas se estenderam com mais velocidade após a Revolução Industrial, principalmente no âmbito da exploração animal, curiosamente alicerçado por dois pólos opostos em ideologia, mas tão semelhantes em fundamentalismo – ciência e religião: a justificativa da ciência até o século XX era a de que, os animais não sentiam dor; e a visão de determinadas religiões até hoje é a de que eles nasceram para servir o homem.
Recentemente, a Universidade de Cambrigde lançou um Tratado onde declara que os cientistas erraram e que os animais possuem senciência, portanto, são passíveis de dor, sentimentos, emoções e todas as especificidades neurosensoriais muito semelhantes aos humanos – inclusive sendo reconhecidos por suas personalidades diferentes, o que os eleva ao título de personas, ou seja, pessoas.
Steven Wise é jurista americano especializado em primatologia que observou o comportamento e as distintas personalidades de animais não humanos, como: elefantes, primatas, bois, golfinhos, papagaios e ademais. Suas conclusões demonstraram que as diferentes espécies são capazes de desejar e ter senso perceptivo sobre si mesmo, podendo fazer esforços e até desenvolver estratégias elaboradas para conseguir aquilo que desejam; portanto, merecem a mesma proteção de lei e ética que os humanos.
Ele escreve em “O problema de ser uma coisa” em Rattling the Cage:
“Por quatro mil anos, uma parede legal espessa e impenetrável separou todos humanos de todos os animais não-humanos. Por um lado, mesmo os interesses mais triviais de uma única espécie – o nosso – são zelosamente guardados. Temos atribuído a nós mesmos, sozinhos entre as milhares de espécies animais, o estatuto de “pessoas colectivas”. Por outro lado dessa parede, encontra-se o lixo legal de um reino inteiro, não apenas os chimpanzés e bonobos, mas também gorilas, orangotangos e macacos, cães, elefantes e golfinhos, bois, porcos, etc.. Eles são “coisas legais”. Seus interesses mais básicos e fundamentais – as suas dores, suas vidas, suas liberdades – são intencionalmente ignorado, muitas vezes de forma maliciosa pisada, e rotineiramente abusados.”
Tudo isso demonstra reforça os enganos daquilo que cultivamos tradicionalmente e é facilmente aceito pelo senso comum. A cultura já contemplou a crucificação de “ladrões” em praça pública, a venda de crianças para homens maduros, a franca exploração sexual de jovens em mercados públicos com moeda de troca comum ou até especiarias; hoje, em pleno século XXI, ainda podemos observar comunidades apresentando justificativas retrógradas de que a exploração e até mesmo pequenos e corriqueiros abusos às pessoas e aos animais podem receber algum respaldo desde que sejam implementadas para o “bem comum”; não levando em consideração o direito do indivíduo.
Cultura nada mais é do que aquilo que se cultiva em consenso cabal.
:::: ISSO TAMBÉM JÁ FOI CULTURA ::::
Pela designer Lisy Novo, conceito das comunicadoras Luh Pires e Daniela Spallanzani, a operação Bois de Forquilhas lançou esta semana uma série de imagens históricas e chocantes que retratam, nada mais nada menos, do que passagens tradicionais do que já foi costume em diversos povos e, hoje, é visto com verdadeiro asco.
A sociedade caminha para a evolução num parâmetro de negação à violência. O objetivo da campanha das comunicadoras e ativistas pelo direito dos animais é trazer um olhar refinado sob os aspectos bizarros e extremistas da sociedade que as pessoas alegam ser tradição ou cultura por um determinado período de tempo e fazer um contraponto à tradições diversas como: vaquejadas, rodeios, uso de pele de animais, testes, caça, pesca esportiva, montaria e até mesmo o consumo de carne e produtos de origem animal.
“Cultura ruim a gente muda!” (Frase da artista Nana Lacerda)
Para acompanhar toda a campanha, basta acessar a página Bois de Forquilhas.