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Uma vida interrompida

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[…] mas Lindsey estava viva, e os vivos também mereciam atenção.

“Mas a narradora da história tem apenas 14 anos e sonhava ser fotógrafa enquanto ainda tinha toda a vida pela frente. A saga de Susie Salmon tem como ponto de partida o dia em que foi estuprada e morta.
Alice Sebold constrói uma narrativa ousada ao levar Susie para o céu, de onde passa a observar a vida na terra e contar a história de sua família traumatizada. Por estar inconformada com sua morte precoce, e entediada com a vida no céu, a garota decide então acompanhar como seus parentes, amigos e o próprio assassino continuaram suas vidas após a tragédia.
A história tem boas doses de humor e esperança. […]
A inspiração da história tem a ver com a vida da própria autora. Alice Sebold foi estuprada em um beco do campus da universidade onde estava no primeiro ano e sonhava ser poeta, aos 19 anos.
Ao chegar à delegacia, machucada, assustada e não mais virgem, ouviu de um dos investigadores que várias mulheres haviam sido estupradas e mortas no mesmo beco antes dela. […]” (Livraria da Folha)

*****

Descobri o livro Uma vida interrompida em 2016. Alguns anos depois de assistir o filme, que tem o título bem diferente: Um olhar do paraíso. Mesmo tendo assistido à versão dublada, fiquei completamente apaixonada pela história de Susie Salmon “[…] salmão, igual ao peixe […]”.

Uma personagem forte, leve e bem-humorada, mesmo enquanto narra sua morte e fala sobre seu assassino, que segundo ela tem um jeito “calafrio de olhar”. Mas calafrio mesmo foi o que me deu, lendo a narrativa dela sobre como ela foi estuprada e morta pelo sr. Harvey (não é spoiler, eu juro!). O vizinho que “ensinou” que ser excêntrico é diferente de ser esquisito.

O livro Uma vida interrompida.
Foto do blog Entrelinhas Fantásticas.

Talvez Susie Salmon seja uma das personagens que mais me emocionaram. A sensibilidade com que ela narra a relação dela com o pai, foi algo que me tocou profundamente, além de me deixar com certa inveja, principalmente, ao comparar a beleza do sorriso da filha com a beleza de estrelas explodindo.

No segundo capítulo há um trecho do qual eu gosto muito, e que me fez reproduzir todas aquelas “onomatopéias” que expressam fofurência. O inspetor Len Fenerman encontrou o que pensou ser uma pista sobre o desaparecimento de Susie: um livro cujo título era “Não matem a cotovia” (tradução livre para o título “To kill a mockingbird”), que em português foi publicado como “O sol é para todos”, (seguramente, é meu livro preferido), e foi imediatamente falar com a sra. Stead, que tinha um filho no colégio, na mesma série que Susie.

A sra. Dewitt gosta de modular sua lista de leitura, e logo antes do Natal dá um grande estirão com Shakespeare. Depois dá Harper Lee*** como recompensa.

Não posso deixar de mencionar outra personagem de extrema importância: vovó Lynn. Acho que ela é a avó menos parecida com uma avó, que já “conheci”. Mas é ela! Com sua praticidade, seu bom humor e amor, que mantém a família Salmon unida após a morte de Susie. A forma como ela ajuda a família a contornar luto, é algo muito verdadeiro.
Na verdade, a família toda tem papel muito importante no desenrolar e desfecho da história. Desde Susie até seu irmão mais novo, Buckley. Lindsey, sua irmã do meio, externaliza sua dor de forma dura e prática. Penso que seja porque a morte de sua irmã mais velha ocorreu na época em que ela (Lindsey) estava se descobrindo emocional e sexualmente. Aliás, Susie faz comentários sobre a vida sexual de sua irmã do meio, enquanto narra sua morte. Esses comentários, colaboram para a anulação da carga negativa que a história carregaria.
Com um pai transtornado, uma mãe completamente abalada emocionalmente, avó bêbada e o irmão mais novo que enfia uma pedra no nariz e quase morre, a narrativa onisciente** de Alice Sebold, fez com que eu me apaixonasse ainda mais por cada frase da história de Susie Salmon.

Me surpreendeu positivamente, como a autora alterna a narrativa entre momentos fofos e dramáticos, de forma tão natural. Ela conduz a trama de uma maneira que me fez rir, prender a respiração e repensar a vida. Através da personagem principal, ela descreve os personagens de forma dinâmica e convincente. As características de todos eles são marcantes, o que aguçou minha curiosidade.

Alguém me disse ter achado esse livro perturbador, porque mostra toda a devastação que uma família sofre após uma perda como essa, mas prefiro pensar em como uma família e uma comunidade pode se unir e se ajudar em situações tão delicadas quanto a morte de uma adolescente. Mesmo porque, a narrativa tem pitadas de humor. Às vezes humor negro, mas é inteligente, direto e bom.
Em toda a história, notei certo otimismo. Uma perspectiva diferente do que é considerada comum ao lidar com uma tragédia como a descrita por Sebold. Mas acredito que leitura seja isso, né!? Uma questão de perspectiva, de sentimentos despertados em cada leitor. Especialmente em um livro como esse, com mais de cem milhões de leitores.

Susie, foi estuprada e morta aos 14 anos. Mas narra a sua história (enquanto está no seu céu) e de sua família, após a sua morte como se fosse uma Pollyanna: com esperança e bom humor.

Vocês não percebem os mortos indo embora quando eles decidem abandoná-los de verdade.

* Em alguns sites esse livro consta como esgotado. O meu comprei no início de 2016, na Leitura Pátio Savassi (Belo Horizonte.

** Narrativa onisciente: tipo de narrativa em que o narrador é quem conhece toda a história, inclusive os pensamentos dos personagens.

*** Harper Lee é autora do livro inglês “To Kill a mockingbird”.

Capa do livro Uma Vida Interrompida.

Ficha Técnica

Título: Uma vida interrompida
Título original: The lovely bones
Autor: Alice Sebold
Tradução: Fernanda Abreu
Prefácio: Teté Ribeiro
Editora: Agir
Lançamento: 2003
Nº de Páginas: 308
Formato: 15,5 x 23 cm
Gênero: Romance
ISBN: 978-85-220-3087-3
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Colaboração: Ludymilla Duarte Borges