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Quando dei por mim já era mãe

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Por nove meses o meu corpo foi mudando. Durante esse tempo, conforme tu crescias dentro de mim, meu físico se preparava para te receber, e eu, mentalmente, procurava fazer o mesmo. Mas nada que eu fosse capaz de racionalizar me prepararia com exatidão para a experiência real da tua chegada. E tua chegada teve gostinho de presente de aniversário. Atrasado, é verdade. Mas muito melhor do que eu poderia algum dia ter imaginado. Te receber no mesmo mês que minha mãe me recebeu, sob o mesmo signo que o meu, não poderia ser mais especial. Eu mesma não conseguiria ter planejado melhor, ainda que tentasse.

Foto: Lua Luna
Foto: Lua Luna

No alto dos meus 27 anos, recém completos, posso te afirmar que tudo na vida depende do nosso olhar. Uma situação adquire inúmeros pesos e significados, de acordo com a interpretação de cada um que passa por ela. Tua vinda foi bem recebida desde o começo, evidenciando a imaturidade da minha mania de falar certezas absolutas da boca pra fora e descartá-las no ato, na hora em que me vejo de verdade em tal situação. A surpresa deu espaço a uma certeza bem diferente, mais concreta, de que eu havia recebido uma benção. E eu, então, me agarrei com toda força à ideia de que muita coisa na minha vida iria mudar. Para melhor. Sem medo nenhum de abdicar de coisas que já me pareciam desinteressantes, como saídas e festas, em prol de algo que poderia me apresentar o que eu ainda não conhecia: a entrega incondicional, o amor enquanto doação, que oferece tudo o que tem sem garantias de retorno.

Como tradicional Aquariana, a ideia da mudança me entusiasmou. Nós, nativas deste signo, temos esse dom especial de interpretar mudanças como algo positivo. É o que nos garante honrar a fama de visionários, já que vai além do não ter medo de mudar: é sentir prazer em fazer isso. E me parece, ao menos no meu caso, que quanto mais radical a mudança, melhor. Sempre tive essa mania de jogar tudo para o alto de tempos em tempos, de virar minha vida de cabeça para baixo, para então renascer das cinzas. Mas nenhuma radicalidade minha poderia ter me preparado para ti.

Existem algumas coisas que ninguém te conta sobre a maternidade. Passado o parto, a famosa “boa hora”, uma nova fase se inicia. Para mim foram aproximadamente duas semanas, onde a imagem no espelho e as coisas no meu quarto já não correspondiam a quem eu havia me tornado. A ideia de ti não me deixou com medo, até tu chegares. Não reconhecia nada que não fosse tu, e não te conhecia em absoluto. Como decifrar de primeira tuas necessidades? Como saber o que tu me dizias a cada choro? De uma hora para outra tu eras a única coisa que fazia minha vida ter sentido, e justamente tu eu não sabia decifrar.

Na tua primeira noite em casa, tu me acordaste duas vezes para mamar. A primeira, por volta das três da manhã, me deu um frio enorme na barriga. Lá estava eu, sozinha contigo no quarto, responsável por tua sobrevivência e desenvolvimento. A grandiosidade desse dever me apavorou, senti que eu não seria capaz. E mais, me senti uma inconsequente. Como que eu havia me colocado nessa situação? É importante demais, eu não ia dar conta! E enquanto eu te nutria, olhando para a lua como sempre eu fazia sozinha nessa mesma cama, eu orei. Pedi para ser digna de ti, para ser capaz de te preparar para tua caminhada.

Na segunda vez que tu acordaste, depois de te alimentar e te fazer voltar a dormir, eu passei o restante da noite em claro. Te olhando. Admirando como tu és perfeita e chorando o tempo inteiro. À medida em que o dia amanhecia pela minha janela eu me sentia cada vez mais abençoada por ter corrido tudo bem, por estarmos as duas juntas ali naquele momento. Me sentia cada vez mais completa por te ter ali ao meu lado, e só conseguia agradecer.

Durante esse período de aproximadamente quinze dias oscilei por esses dois sentimentos. De impotência e de euforia. Ia da alegria à cólera em segundos, mas eu culpo os hormônios por isso. Durante os nove meses de gestação eles foram subindo gradativamente para então despencar no momento em que te pari. Junte a isso a recuperação dos pontos da episio e a adaptação à nova rotina de sono e pronto, minha língua afiada e minhas lágrimas estavam a flor da pele. Passados 30 dias que tu chegaste, completos hoje porque fevereiro teve 28 dias neste ano, essa fase crítica finalmente já ficou para trás. Aos poucos vou decifrando melhor teus sinais e aprendendo tua personalidade. E tu, que veio para mim sem nenhum aviso, vai dando conta de preencher cada cantinho da minha vida.

Nunca tive olheiras tão profundas. Nunca dormi pingado como agora. Nunca fiz ou peguei tantas coisas com os pés (sim, com os pés). Nunca tive tão pouca vontade e paciência para me arrumar. Mas também, em contrapartida, nunca fiquei tão bem humorada ao ser acordada. Nunca me satisfiz tanto com a expectativa de um sorriso. Nunca me fascinei tanto por olhares curiosos e caretas involuntárias. Nunca tive tanta prontidão para a pró-atividade. Nunca senti tanto prazer em ficar horas sem poder me mexer, só para te ter nos meus braços e te admirar dormindo. E hoje, passados apenas estes primeiros 30 dias, já me sinto dividida entre o desejo de te descobrir crescendo e a vontade de te ter para sempre recém-nascida, dormindo na minha barriga grudada em mim.