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Velório Ambiental: O Mar de Lama e Cinzas

1967

Todas as manhãs venho a sentar em frente à TV. Assisto ao velório ambiental. Meus olhos assustados percorrem a cena do crime no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na região central de Minas Gerais. O rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas, deixando 631 pessoas desabrigadas, 22 desaparecidas e 11 mortas. Além da incerteza sobre o número de pessoas afetadas, são inúmeras perguntas sem respostas: – O que causou o rompimento? A lama pode ser tóxica? Há risco de novos rompimentos? Aonde essa lama toda vai parar? Se é que essa ‘lama’ toda para só por aí.

Peixes mortos no Rio Doce após a tragédia em Mariana - MG.
Peixes mortos no Rio Doce após a tragédia em Mariana – MG. Foto: Reprodução

Não consigo conter a minha expressão de dor diante da desordem estabelecida. Olhe bem pra dentro de você. Há um mar que por ora é tranquilo, e por outra é revolto. São subsequências de ondas que tantas vezes destilam ódio. Dos meus olhos o mar derrama feito lágrimas de lama, de sangue, de tristeza e vergonha por minha incapacidade de mover ou de falar, preza no balanço do mar, morrendo de um modo lento e penoso. Não dá tempo nem de respirar e, logo chega notícias de outro desastre, e agora meus olhos ardem sobre as faces incendiadas da vegetação e da fauna. Ao invés da cor verde, vejo cinzas sobre o Parque Nacional da Chapada Diamantina, no sul do estado da Bahia. Estima-se 5 focos de incêndio que atingem uma extensão de mais ou menos 15 mil hectares.

De quem é a culpa? Então, vamos multar a mineradora em Minas Gerais e prender os incendiários na Bahia. Será está a forma de solucionar? Questiono quem de nós se propõe a formar uma imensa onda de consciência para apagar o fogo da vaidade, da cobiça, do preconceito, da mentira, do ego, do orgulho. Quem de nós se preocupa em ajudar de alguma forma o próximo sem receber algo em troca. É certo que um mar de lama ultrapasse toda a extensão impiedosa dos nossos atos, mesmo que involuntária e despercebida, evidencia uma refinada crueldade e violência pelo mal que fazemos ao próximo e até a nós mesmos.

Sinto-me chocada pelo reflexo do que somos e o que fazemos uns pelos outros. É tão aterrorizante refletir e concluir que não somos tão humanos como nós julgamos ser. Pela análise do nosso comportamento interno não ter “valor humano” algum. Em meio a grande dificuldade, muitos se fazem bandidos por falta de escolha, ou por oportunidade ao perceber a fragilidade do próximo. Feito ladrões de beira de estrada, absolutamente transtornados, revelamos o lado sombrio e perverso de nós.

Fogo e cinzas na Chapada Diamantina - BA.
Cinzas na Chapada Diamantina – BA. Foto: Reprodução

Acima de tudo, ainda insisto em ser alegre fingindo esconder a dor de ver o meu país assim. Por isso, procuro ver o outro lado que é luz, que aniquila nosso ser materialista, e não me deixa perder a fé e a esperança de um dia navegar em águas tranquilas e caminhar sobre as serras verdejantes. Numa pátria formada por seres humanos amáveis e gentis! Assim, espero…