Seu nome é João Luiz Woerdenbag Filho, mas ele ficou conhecido no Brasil inteiro como Lobão. Notabilizou-se como cantor, compositor, escritor, multi-instrumentista, e também já foi editor de revista e apresentador de televisão. E ele é o nosso entrevistado de hoje!
Compositor de sucessos como “Me Chama”, “Decadence Avec Elegance”, “Revanche”, “Blá Blá Blá… Eu Te Amo (Rádio Blá)”, “Vida Bandida” e “Vida Louca Vida” (conhecida na voz de Cazuza); Lobão fez um grande sucesso nos anos 80. Após romper com as gravadoras, no final da década seguinte, ele seguiu trilhando seu caminho no underground da música. Em 2003, Lobão lançou a revista cultural Outracoisa, com a parceria da L&C Editora, que sempre trazia um CD encartado e revelou inúmeros artistas, como BNegão, Cachorro Grande, Cascadura, Mombojó, Carbona e Vanguart.
De 2007 à 2010, Lobão foi apresentador na MTV Brasil. No mesmo ano de sua entrada na emissora, ele também lança o seu Acústico MTV, contendo vários sucessos. Já no ano de saída, ele faz emergir sua biografia 50 Anos a Mil, junto com o jornalista Cláudio Tognolli. Em 2012, comemorando 30 anos de carreira solo, o DVD Lobão Elétrico: Lino, Sexy & Brutal foi lançado e distribuído pela Deckdisc. Ufa! Como vocês viram, o cara não para, mas arranjou um tempinho para responder nossa entrevista. Agora, o velho Lobo invade a nossa praia…
Ativar Sentidos – Até hoje, muito se fala sobre sua saída da Blitz. Como foi todo o desenrolar da história e como é seu relacionamento com os parceiros daquela época?
Lobão – Essa história está detalhadamente contada na minha biografia “50 Anos a Mil”. Quanto ao meu relacionamento com os integrantes, sou mais chegado ao Evandro com quem falo de vez em quando e tenho o maior carinho e admiração.
AS – No início da carreira você foi preso por portar maconha e 0.8 mg de cocaína. O que acha da nova onda de debates sobre a legalização da maconha no Brasil? O fim da guerra contra a erva está mais próximo? Qual a sua visão sobre a questão das drogas em geral?
Lobão – Não sou a favor da legalização das drogas. Já fui, mas percebi que trata-se de uma grande armadilha.
AS – Você tem uma extensa discografia e músicas que fizeram sucesso nos anos 80. No final da década seguinte, você rompeu com as gravadoras e seguiu lançando novos trabalhos com um esquema independente de distribuição pela internet, bancas de jornal e lojas de departamento. Conhecendo os dois lados da moeda, como você analisa o cenário da música independente hoje e o dito “mainstream” da música?
Lobão – A cena independente, nos dias de hoje, está refém do coletivo Fora do Eixo. Se você não rezar a mesma cartilha, simplesmente, está fora. O mainstream se divide entre a MPB e o sertanejo universitário. Ambos beirando a demência.
AS – Você levantou debates sobre denúncias de vários artistas contra o coletivo Fora do Eixo, inclusive fez uma música em protesto. Como você analisa a atuação deles e o que isso traz de prejuízo e/ou benefício para os novos artistas?
Lobão – Fiz uma canção escarnecendo o Capilé por ele ter marcado um compromisso comigo com dia e hora marcados. Desapareceu. Eles estão drenando todas as verbas públicas destinadas aos artistas novos. São um dos maiores vampiros da cultura nacional dividindo o posto com os grandes nomes que mamam nas tetas governamentais como nunca fizeram.
Escute a música “Eu Não Vou Deixar”!
AS – Como será a adaptação para o cinema do livro “50 Anos a Mil”? Você irá participar de alguma forma da produção do filme?
Lobão – Só vendo, né? Sim, serei consultor e farei a trilha sonora.
AS – Recentemente, a empresária Paula Lavigne participou de um debate em um programa de TV a cabo, justificando a censura às biografias não autorizadas. Como você analisa os argumentos apresentados por ela?
Lobão – Pelo que observei, a empresária não foi capaz de tecer sequer um só argumento. Só vociferou e ameaçou as pessoas. Foi um vexame.
AS – Como você analisa a militância de alguns músicos da MPB, como Chico Buarque e Caetano Veloso, por exemplo?
Lobão – Vergonhosa. Eles aceitaram uma barganha com o Roberto Carlos: Se o rei aceitasse participar da mamata da lei do ECAD, eles entravam na mamata da censura de biografias não autorizadas. Tudo no velho estilo dos coronéis.
AS – Você anunciou que escreveria para a revista Veja, e por isso foi rechaçado. Poderá escrever o que/como quiser, ou alguns assuntos serão, digamos, “censurados”?
Lobão – Eu só aceitei escrever na revista porque fui absolutamente respeitado na minha liberdade. Por sinal, é exatamente isso que eles querem de mim: minha liberdade de opinião.
AS – “Exilado, voava do futuro assobiando um réquiem.” O exílio citado no início do livro Manifesto do Nada na Terra do Nunca, é seu?
Lobão – Seria de quem mais? Quem vive no futuro como exílio?
AS – Por que você considera que a Tropicália foi um movimento decalcado da Semana de 1922?
Lobão – Porque eles mesmo assim o dizem. Basta reparar no discurso de um e de outro que é a mesma coisa: A antropofagia, a geleia geral. O relativismo, a preguiça, a precariedade, a macunaimização.
AS – Você acredita que ainda hoje, há essa ânsia de perseguir a brasilidade?
Lobão – Quem persegue a brasilidade jamais a alcançará. Infelizmente é o que mais se encontra por aí.
AS – Para se reconhecer alguma identidade musical, ainda se faz necessária a completa renegação de um ou outro estilo, como na época da Tropicália?
Lobão – Não. Basta ter bom senso, autoestima e independência.
AS – Em sua opinião, o choro é atrelado ao passado. Há, além do choro, algum outro estilo musical com a mesma “característica”?
Lobão – Não a minha opinião, é um fato: Não há produção de choro há mais de 50 anos. Temos o Hamilton de Holanda que é um gênio que faz toda a diferença, mas para a renovação do estilo ainda é muito pouco.
AS – O que te fez inserir uma cláusula contratual que te permitia participar do programa A Liga, apenas se você concordasse com a pauta?
Lobão – Simplesmente para garantir a minha liberdade. Não é muito a minha cara ser um simples subalterno, né?
AS – “Para onde o cretinismo cultural nos está levando”?
Lobão – Para o buraco.
AS – O que é o “Rock Farofa”, citado por você, no capítulo “O ROCK CONTINUA ERRANDO”?
Lobão – Bandas de metal com cantor cantando em falsete e aqueles penteados ridículos.
AS – Em sua opinião, a partir de quando (ou por que), Roberto Carlos se torna uma múmia deprimida?
Lobão – Desde que saiu da jovem guarda. Porque virou um outro artista com um único intento: vender seu produto muzak nos natais da rede Globo.
AS – Como foi ser roadie do Gilberto Gil?
Lobão – Foi muito divertido participar de trama típica da máfia do dendê. Comigo eles não se criam.
AS – Qual a sua opinião sobre a cota cultural para negros, criada pelo Ministério da Cultura?
Lobão – Uma lambança.
AS – Você narra uma “fuga” da periferia de uma cidade, em que você foi convidado a palestrar sobre empreendedorismo musical, porque na ocasião, foi considerado um “playboy na comunidade”. Você não acha que o auto preconceito é geral? Que existe em todas as classes (profissionais/sociais)?
Lobão – Foi exatamente isso que quis mostrar com esse relato.
AS – Você dedicou todo um capítulo a narrar sua experiência com o garimpo legalizado e com os garimpeiros. Após toda aquela jornada, você não ficou com a impressão de que aquela região do país foi esquecida por todos os governos que já tivemos?
Lobão – Nem sempre. O governo está bem de olho nos garimpos e agindo em favor de seus interesses escusos. O garimpo legalizado é uma prova viva disso. (e legalizado no dia primeiro de maio!)
AS – Lendo sobre sua trajetória (pessoal/profissional), a impressão que se tem, é que você foi brutalmente perseguido por todo tipo de gente. Você mesmo afirma isso, quando diz que FOI “tratado como mero marginal”. FOI ou ainda É?
Lobão – Hoje sou tratado como um reacionário de extrema direita, eh eh eh… Mas jamais me senti uma vítima dessa situação.
AS – O que o levou a compor algumas músicas de protesto, se você mesmo afirmou que odeia esse tipo de composição?
Lobão – Odeio porque elas são feitas aqui no Brasil com mais espírito de autocomiseração do que com raiva.
AS – Como foi ter Luis Carlos Prestes, como seu pedestal de microfone?
Lobão – Foi emocionante ver uma figura histórica naquelas condições.
AS – Qual sua definição para “João sem bracismo macunaímico”?
Lobão – Um determinado cinismo em que nos chafurdamos acreditando que nossos piores defeitos são nossas maiores virtudes.
* Agradecimento especial ao Lobão que gentilmente concedeu-nos essa entrevista.
Realização: Edvando Junior e Sarabólica | Colaboração: Bruno Maciel.