Antes mesmo da sessão de cinema terminar, eu virei flor! Da raiz até o final do fio, o cabelo de Lota é tão negro que virou verso de um poema de amor. Entre Brasil e Estados Unidos, pouco importa em que língua seja falada, português ou inglês, o amor é real e o amor real é, antes de tudo, imperfeito.

O filme é carregado de sensibilidade. Um duelo interessante entre Glória Pires, que vive Lota de Macedo Soares (uma paisagista carioca que idealizou e supervisionou a construção do Parque do Flamengo e se intitulava “arquiteta”), de forma expansiva, emotiva, brasileira e passional. Já a atriz Miranda Otto, que interpreta Elizabeth Bishop (uma poetisa norte-americana), é toda contenção, atua para dentro, é tímida, insegura, distante e retraída. No princípio sofre o choque cultural, e por isso muitas vezes foi mal interpretada, afinal, ela veio de uma cultura bem mais repressora, onde as emoções são reservadas.
O drama sensível tem como essência o sentimento forte entre duas mulheres que se amam e convivem abertamente, demonstrando sua relação no contexto da alta sociedade carioca no início da década de 1950, o que fazem de Flores Raras uma obra delicada e de valor.
O amor é mesmo algo fascinante. Ele não escolhe credo, raça, idade, sexo, nem classe social. Ele é apenas amor, puramente, único e sincero. Flores Raras brotam do coração de quem sabe amar. Ao invés de polemizar sobre a temática gay, prefiro me entregar ao amor, como o longa o faz tão bem. O assunto é tratado tão sutilmente que para o espectador não é um amor entre duas mulheres, é apenas amor entre duas almas, dois seres completamente diferentes. Não importa o gênero sexual e sim o carinho, o afeto, respeito e admiração mútua.


O filme do cineasta Bruno Barreto desperta questionamentos internos ao espectador – porque essas mulheres tão diferentes entre si se interessaram uma pela outra? As duas se complementam perfeitamente, cada uma forneceu à outra algo de que precisavam, embora o amor entre elas tenha surgido com o tempo. A relação amorosa é de uma simplicidade e ao mesmo tempo de uma complexidade que não se tem dúvidas de que é amor, apesar de muitas vezes duvidar.
É possível que Bishop nunca tivesse florescido como poeta se não tivesse vindo morar no Brasil. Ela precisou se “abrasileirar” um pouco para criar. Mas a própria “brasilidade” do país a faz ir embora, pois como ela mesma afirma numa cena, a personagem é uma daquelas pessoas que “sempre se sentiu sem um lar”. Afinal de contas, ela não era nem americana nem brasileira. Como muitos artistas, Elizabeth Bishop parecia viver num mundo à parte.
Título Original: Flores Raras
País de Origem: Brasil
Gênero: Drama / Romance
Duração: 118 min
Ano de Lançamento: 2013
Estreou no Brasil: 16 de Agosto de 2013
Direção: Bruno Barreto
Roteiro: Carolina Kotscho e Matthew Chapman
Produção: Paula Barreto e Lucy Barreto
Diretor de fotografia: Mauro Pinheiro
Figurino: Marcelo Pies
Coprodução: Globo Filmes e LC Barreto
Distribuição: Imagem Filmes
Já Lota de Macedo, o oposto da sua amada, é uma mulher decidida, segura e de pulso firme. Mantém o tempo todo um tom de audácia acompanhado por um surpreendente gestual masculino, mas sem jamais perder a feminilidade. Apesar da figura durona de Lota, essa fortaleza toda é apenas uma proteção a sua fragilidade emocional, que se desfaz já no ato final do filme, através da sua decadência mental.
Antes mesmo que os créditos finais começassem a subir, quando já não pensava mais me envolver, pois me sentia envolvida tanto quanto poderia… Eu virei Flor! O poema de Elizabeth Bishop é de tamanha grandeza que traduz em poucas palavras o muito de todos nós.
A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contém em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouco a cada dia.
Aceite, austero, a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe.
Ah! E nem quero lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas.
Um império que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada.
Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser um mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério.
* Tradução do poema: Paulo Henriques Britto.
———————————————————————————————————————————————-
Laila Guedes é publicitária, produtora, roteirista e diretora de vídeos e programas de TV. Fotógrafa nas horas vagas, também é apaixonada por música, literatura e cinema. Uma mulher comum com pensamentos comuns. O que difere é que ama com o coração e permite que a sua alma seja tocada, sem deixar de acreditar. Vive um estilo de vida saudável, cuida do Corpo, da Mente e da Alma. Quer saber mais? Acesse o seu blog pessoal.

















