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O Fantástico Mundo de Ed

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Ontem foi São João, a festa típica que eu mais gosto. Também seria o dia em que meu texto sobre o grande Jackson do Pandeiro ia ao ar. Mas resolvi boicotar a mim mesmo e escrever a primeira edição do Fantástico Mundo de Ed. Uma ideia ainda não fundamentada sobre pensamentos nada ortodoxos do meu imaginário, parafraseando o título do desenho “O Fantástico Mundo de Bob”.

Ocupação do Congresso Nacional - Marcha do Vinagre 2013
Ocupação do Congresso Nacional por manifestantes que participaram da “Marcha do Vinagre”. Foto: Reprodução

Certo dia acordei e percebi algo diferente no ar. Um grupo de pessoas se organizou na cidade de São Paulo e começaram a reivindicar a revogação do aumento de 20 centavos para o transporte público. Felizmente, não pensei que estava sonhando. Naquele momento, eu não estava vivendo apenas no meu fantástico mundo. Dali por diante…

Eu vi pessoas se unindo para reivindicar seus direitos. Protestando por mais qualidade nas áreas da saúde, educação, transportes e segurança. Jovens em sua maioria. Mas também tinham adultos de todas as idades. Eu que sempre me orgulhei dos meus compatriotas tive mais orgulho ainda. Vi pessoas gritando “Fora Feliciano”, pedindo a rejeição da PEC 37, se posicionando contra os altos custos da Copa 2014 e tantas outras pautas. Muitos pensavam que aquilo era uma realidade que nunca aconteceria no Brasil. Vi até uma senhora dizendo uma das frases mais clichês e irritantes desta manifestação. “Nunca pensei que viveria para ver o povo brasileiro ir ás ruas reivindicar seus direitos”. Nunca? Será mesmo? Será que ela não viu a luta contra a Ditadura Militar? Será que ela não viu a luta pelas Diretas Já? E onde ela estava quando o povo se levantou para expulsar o ex-presidente Collor? Não, o Brasil não acordou só agora.

O nosso povo lutou pela independência do país. O povo lutou contra a escravidão. O povo lutou contra o regime imperial. Viu surgir inúmeros conflitos internos, de naturezas distintas. A Revolta dos Alfaiates (1798), a Revolução Pernambucana (1817), Cabanagem (1835-40), Revolução Farroupilha (1835-45), Guerra de Canudos (1893-97), a Revolta da Chibata (1910), os movimentos operários (1917-19) e tantos outros. Muitos perderam a vida para que nós chegássemos até aqui. E ainda dizem que sou maluco por sempre acreditar na força do povo brasileiro. Definitivamente, o Brasil não acordou só agora!

Manifestantes oferecem flores aos policiais
Armas no chão. Flores nas mãos. O soldado da paz não pode ser derrotado.” Foto: Reprodução
Movimento apartidário no Brasil
Nem Direita, nem Esquerda. Movimento apartidário. Foto: Reprodução
Feliciano não representa minha família
“Feliciano, você não representa a minha família.” Foto: Reprodução
Corrupção é crime hediondo
Manifestante pede que a corrupção seja crime hediondo. Foto: Reprodução
Estamos mudando o Brasil
Manifestantes mandam o seu recado. Foto: Reprodução

Mas também vi um cenário conturbado. Ligaram a metralhadora giratória e atiraram em todas as direções. Pregaram boicote a Copa do Mundo no Brasil. Marcharam em direção aos estádios que sediavam os jogos da Copa das Confederações e tentaram romper a barreira de policiais que resguardavam o perímetro de segurança estabelecido pela Fifa, provocando conflitos desnecessários. Pediram o impeachment da presidente Dilma, comparando-a a Collor. Vi uma foto-montagem com o Collor cochichando no ouvido da Dilma: “Já vivi isso. Você ta fudida!”. Presenciei uma verdadeira enxurrada de comentários nas redes sociais com as hashtag #ChupaDilma. Fiquei impressionado como a presidenta, a Copa e até a Rede Globo se tornaram os grandes vilões da nação brasileira.

Imediatamente apareceu um daqueles balõezinhos da imaginação sobre a minha cabeça, e pensei:

Nossa, a Dilma é pior que o Drácula. O Edward Cullen é uma mocinha perto da vampiresca Chupesseff. A Dilma chupa, chupa, chupa, mas chupa tanto que não sobra uma gota de sangue pra contar a história.

Vi músicos, profissionais de saúde, cineastas e outros pregando um boicote a Copa do Brasil. O balãozinho da imaginação novamente apareceu sobre a minha cabeça, e questionei: Se um médico, fisioterapeuta ou técnico de enfermagem fosse um dos contratados da Fifa ou de alguma das seleções do torneio, eles não aceitariam? Como um músico se sentiria se boicotassem um show milionário e cheio de ostentação/exigências que ele fizesse no Rock in Rio, no Carnaval ou em qualquer lugar? Será que o discurso seria o mesmo? Será que ele ia comparar seu trabalho ao discurso da política do pão e circo? E como um cineasta ia se sentir se pregassem um boicote a seu filme que custou milhões e não contribui lá grandes coisas para a sociedade como um todo? Falar é fácil. Criticar é bom, não é? Jogar pedra então, nem se fala. O difícil mesmo é se colocar no lugar do outro.

A bola da vez é a Copa, a Fifa, a Dilma e o Feliciano. Logo menos, serão as Olimpíadas 2016, o COI e o próximo presidente(a) do Brasil. Depois, surgiram outros vilões. Só não esqueçam uma coisa, os atletas de várias modalidades esportivas também lutam diariamente para ter seu esporte mais valorizado e com mais investimentos. Há alguns meses, o ginasta brasileiro Arthur Zanetti (campeão olímpico nas argolas nos Jogos de Londres 2012) veio a público, através de um programa esportivo, pedir melhores condições de treinamento e mais investimento para sua modalidade esportiva. Ele chegou a dizer que poderia até competir por outro país. Acho que ao invés de pregar boicotes a esses dois eventos, temos que continuar cobrando que os investimentos aconteçam da forma correta e exigir melhorias em todas as áreas, seja no esporte, na educação, saúde, transportes e segurança. Usar tudo isso a nosso favor. Afinal, o momento de negar a vinda da Copa para o Brasil era há 6 anos, quando não se tinha investido nenhum dinheiro em prol da sua realização.

Manifestantes Anonymous do Brasil
Você não precisa ser anônimo não. Mostra a cara, PORRA! Foto: Reprodução
Cura Gay pra quem?
Gay não precisa de cura. Foto: Reprodução
Daniel San e o golpe da Garça nas manifestações
Daniel San e o golpe da garça nas manifestações. Foto: Reprodução
Manifestante pede mais ciclovias para sua cidade
Manifestante pede mais ciclovias para sua cidade. Foto: Reprodução/Simplificando
Pedidos ambientalmente corretos
Pedidos ambientalmente corretos. Foto: Reprodução/Simplificando
Manifestante sai as ruas de cara pintada
Manifestante sai ás ruas de cara pintada. Foto: Reprodução

Logo vão dizer: “Você é alienado! Vive no mundo da lua”. Sim, talvez eu seja um alienado, por não aceitar convites para participar do Dia sem Globo. E sabe por quê? Porque você tem um aparelhinho chamado controle remoto. Ele serve para mudar de canal ou desligar a TV, quando esta, não mais te satisfazer. Se eu quiser posso ficar 365 dias sem assistir a Rede Globo ou qualquer outro canal. Eu posso ler um livro, uma revista ou jornal. Mas tendo consciência que todos os meios de comunicação têm coisas boas e ruins. Alienado é quem não sabe distinguir o joio do trigo.

Nem no meu fantástico mundinho das imaginações férteis vivi algo parecido. Não, eu não vou engrossar o coro do #ForaDilma. Não vou incentivar boicote a Copa do Mundo. Não vou crucificar a Fifa (afinal, ela não tem culpa dos nossos problemas sociais). E continuarei assistindo jogos de futebol organizados pela Fifa ou pela Federação Baiana. Talvez eu seja mesmo um alienado, porque sempre quando me perguntam qual país eu gostaria de conhecer, respondo: Brasil. A Disney, Paris, Nova York ou Dubai nunca habitaram meus desejos mais profundos. Muito pelo contrário. Eu sempre quis conhecer a Amazônia, visitar as cidades de Gramado e Canela, admirar as belezas da Chapada Diamantina e das cidadezinhas da minha Bahia. É, talvez eu seja mesmo um alienado. Só que não!

A propósito a gíria “só que não” nunca fez parte do meu mundo fantástico, mas no contexto acima se fez necessário. Tudo que eu disse não invalida meu posicionamento a favor das manifestações ocorridas no Brasil. Sei que uma minoria de vândalos infiltrados tentou denegrir a legitimidade do movimento, mas não conseguiram. Nosso clamor foi ouvido pelo mundo a fora. Agora é a hora de continuar a batalha em outras frentes. Enfrentar os políticos, debater os assuntos e cobrar mudanças efetivas. Estando ciente que a mudança não vai acontecer num estalar de dedos. Não é da noite para o dia que teremos professores ganhando salários de deputados e com prestígio de um jogador. A mudança é um processo lento. Começa com a demonstração de insatisfação popular, segue com debates, conversas, negociação e entendimento entre ambas as partes.

Eu também quero prioridade para saúde, educação, transportes e segurança. Os politiqueiros de merda e os corruptos também me ensandecessem, brother! As palavras do RAS MC se aplicam perfeitamente ao que estamos vivendo hoje: “Nós já descobrimos qual é a causa dos nossos problemas… Esse tempo de maldade já acabou, porque nós temos ciência, e estamos nos organizando para reivindicar pacificamente!” Assistam a esse vídeo feito em Salvador há alguns anos.

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Edvando JuniorEdvando Junior é cadeirante, cidadão, designer gráfico, apaixonado por projetos de sustentabilidade e tudo que diz respeito a preservação da natureza. Fundador do site Ativar Sentidos e idealizador do projeto social Esquadrão da Paz. Atualmente estou viajando no mundo das palavras, nessa gratificante sensação de exprimir sentimentos para ativar os sentidos. @edvandojr